A FACE e 50 anos de pensamento econômico e político do Brasil – Adm. Nacib Hetti

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Quando eu digo que minha turma de escola se encontra duas vezes por mês, ao longo de 50 anos, todos se espantam. Perguntado sobre o segredo, eu respondo que não sei. Impossível encontrar os elementos catalisadores da união da turma formada em 1964 na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Tento creditar o fato ao ambiente político e acadêmico da época, marcado, naquele momento histórico, por intensas discussões sobre teorias econômicas e ideológicas.

Os precursores da sociologia brasileira, da primeira metade do século XX, começaram a ser analisados pela ótica crítica dos cientistas sociais mineiros, como intérpretes da nova realidade. Além do curso de Economia, nós tínhamos os cursos de Sociologia e Política, Administração e Contabilidade. O ambiente altamente politizado e a diversidade acadêmica ajudaram no processo de produção de um contingente de profissionais ecléticos e aptos para um novo mercado de trabalho.

A vontade na absorção de novos conceitos era tão grande que se refletia na edição dos nossos “cadernos de textos” com a reprodução, no idioma de origem ou em traduções precárias, de obras ou trechos inéditos de autores cultuados nos meios acadêmicos. Era por eles que os alunos tomavam conhecimento dos cientistas sociais ainda não editados no Brasil, expressando as tendências do pensamento moderno.

Uma constatação curiosa: a carência de professores com formação acadêmica, nos primeiros tempos da Face, ao contrário do que poderia acontecer, foi determinante para a composição do seu marcante corpo docente. Foram buscados intelectuais, jornalistas, poetas, historiadores, filósofos, escritores, empresários, servidores públicos e juristas, todos com profunda formação humanista e universalista. Eventualmente, algumas características acima poderiam ser encontradas na mesma pessoa.

O período foi bastante fértil para o desenvolvimento de conceitos, focados na expansão e na criação de novos mercados e no acirramento do conflito ideológico de então. O ambiente acadêmico era bastante propício para discussões filosóficas. Todos eram tão fortemente marcados pela política; raramente alguém conseguia ficar em cima do muro. O resultado, para nossa formação, foi a oferta das ferramentas metodológicas para a racionalidade futura.

Após os acontecimentos de 1964, os cursos de ciências sociais foram estigmatizados como instrumento político e, transitoriamente, perderam substância. Quem perdeu foi o país. Os melhores analistas sociais e políticos em atividade no Brasil de hoje foram formados naquela época. Para suprir nossa carência de cabeças pensantes somos, vez por outra, “interpretados” por analistas estrangeiros.

A qualidade do ensino na Face se refletiu na projeção no cenário político e econômico dos alunos que de lá saíram para a vida profissional. Foi uma rara e feliz oportunidade conviver com as turmas formadas entre 1961 e 1967, com muitos colegas alçados a cargos importantes. Além de cinco ministros, alguns políticos e diversos secretários de Estado, a escola, no mesmo período, formou mais de cem executivos para grandes empresas. Muitos cientistas sociais e acadêmicos gerados no período são reconhecidos aqui e no exterior. Até cineastas de lá saíram.

Hoje, relembramos os bons tempos nas nossas reuniões periódicas, vistas como oportunidades de se recordar um ambiente perturbador e, ao mesmo tempo, agradável. Foi uma fase de grandes transformações na vida política e econômica do Brasil, marcando profundamente a vida de cada um de nós.

* Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 29/11/14